quarta-feira, 8 de outubro de 2008

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Método contra 'bullying' com sucesso em Espanha


Conferência. Encontro Mundial sobre violência na escola junta hoje em Lisboa os principais especialistas na matéria. País vizinho diz ter encontrado programa que resulta, mas por cá nem pais, nem professores, nem investigadores conhecem ainda o projecto, que já atrai a atenção de outros países


Alunos identificam colegas na Net de forma anónima


Uma equipa de investigadores da Universidade Complutense de Madrid (UCM) desenvolveu um método para combater o bullying , que diz ter tido sucesso nas escolas espanholas. Os resultados do método - que passa pela aplicação de um programa informático em que os alunos identificam de forma anónima os colegas que gostam ou não - foram apresentados ontem no El Mundo, na véspera do arranque, em Lisboa, da 4ª Conferência Mundial sobre "Violência na Escola e Políticas Públicas", onde o fenómeno vai estar em destaque. Um projecto que já recebeu o acolhimento de países como a Suécia e a Finlândia mas que é ainda desconhecido pelas associações de pais e professores portuguesas e pelo Observatório da Segurança Escolar.A pensar no medo da vítima em denunciar um colega (uma das principais dificuldades em detectar o bullying), a equipa da UCM lançou, em 2004, um programa informático que identifica as vítimas e os agressores de forma anónima. É ainda um modo de detectar o fenómeno precocemente e evitar que as agressões (físicas e psicológicas) se prolonguem e deixem feridas incuráveis.O programa espanhol baseia-se numa ferramenta informática que disponibiliza as fotografias de todos os alunos de uma turma, questionando-os individualmente: "Com quem gostas de brincar?" e "Quem é que te incomoda mais?", são exemplos de perguntas a que os estudantes respondem, clicando em cima da fotografia do colega correspondente. "É muito mais simples e eficaz do que escrever ou falar sobre o assunto. Os jovens respondem com mais liberdade e sem se sentirem coagidos", afirmou o "pai" do método, Martín Babarro.A ideia é levar os colegas a apoiar as potenciais vítimas e trabalhar com os agressores. A experiência começou no colégio madrileno Salvador Allende, que frisa o sucesso da iniciativa. Além do alargamento a toda a Espanha, também a Finlândia e a Suécia foram a este país ver de perto o programa.Pode ser aplicado em PortugalPor cá, ainda ninguém ouviu falar deste projecto, apesar de já ter cinco anos e da interligação entre as associações portuguesas e espanholas. O presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), João Grancho, admite que "tudo o que se faz pode servir de inspiração e pode vir a ser aplicado em Portugal". Também Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap), fala ao DN da possibilidade do programa "servir como modelo de inspiração para aplicar nas escolas portuguesas". Até porque, "as boas ideias como esta não deixarão de ser adaptadas à realidade nacional". No entanto, disse, "todas as medidas aplicadas actualmente em Portugal são adequadas, como a tutoria entre os pares, em que os alunos menos problemáticos acompanham os mais problemáticos e os mais velhos apoiam os mais novos". Estas "brigadas de intervenção têm-se revelado muito eficazes", concorda Albino Almeida.O psiquiatra e membro do Observatório da Segurança Escolar Daniel Sampaio contesta a solução espanhola. O "problema do bullying não se resolve com um programa informático, que só pode funcionar se for integrado num método geral de combate ao fenómeno". "É necessário trabalhar com as famílias, os alunos, os auxiliares da educação e os professores", defende.Outro ponto fundamental para o especialista é o conhecimento da vítima. "Não se pode pensar no 'bullying' sem tratar a vítima". Já que "o próprio comportamento das vítimas (vergonha, inibição, minoria étnica ou sexual) pode incentivar esta prática", denuncia. Até porque, "não se pode pensar só no menino mau que é o agressor e no menino bom que é a vítima. O agressor pode mesmo ser promovido no grupo de amigos e os seus actos entendidos como positivos". Por isso, o médico considera que "o bullying é muito mais complexo" do que a abordagem do programa espanhol.O DN tentou, sem sucesso, contactar o Ministério da Educação para obter um comentário sobre a possível aplicação no País.

Eric Debarbieux: “Os professores não são treinados para agir em caso de violência”

22.06.2008 - 19h57 Bárbara Wong

A violência não está a aumentar, diz Eric Debarbieux, professor de Ciências da Educação da Universidade de Bordéus, em França. Mas é preciso agir, não com medidas repressivas, mas pensadas a longo prazo. É presidente do Observatório Internacional da Violência Escolar, uma organização não governamental “científica”, uma “federação de investigadores” de 52 países, que faz estudos e recomendações aos Governos. A quarta conferência internacional decorre entre amanhã e quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.Qual é o grau de influência do Observatório Internacional da Violência Escolar nas políticas dos países?O nosso objectivo é ter influência, dizer o que está certo e errados nas políticas públicas. Por exemplo, sabemos que o melhor caminho não é ter políticas de repressão nas escolas e dizemos isso. O que não significa que sejamos ouvidos pelos políticos. A violência na escola é um tópico inconveniente que é recorrentemente recuperado pelos média e pelos políticos, que exageram sobre as suas causas e os seus efeitos. Contudo, a investigação mostra que a violência na escola não está a aumentar. Não está a aumentar?Vou dar um exemplo: Recentemente um país africano pediu-nos para fazermos um estudo. O observatório concluiu que o problema era as crianças não irem à escola, sobretudo as raparigas e recomendamos que o investimento devia ser feito na sua educação. É claro que não ficaram satisfeitos. A razão científica nem sempre é palavra de acção, mas é essa a nossa função.A violência escolar vai da agressão verbal aos massacres nas escolas? Os tiroteios não são um problema real. Nos EUA, os estudos dizem que o risco de um aluno ser vítima de um tiroteio é de um para um milhão, no entanto, 80 por cento dos estudantes tem medo de ser vítima. O verdadeiro problema é a violência continuada e repetida, a que chamamos bullying, sobre alunos, mas também sobre professores. Por vezes, pensa-se que não é importante, que é uma coisa pequena, mas sabemos que as consequências são muito graves para as suas vítimas. Há pesquisa que mostra que uma vítima de bullying pode tentar o suicídio mais quatro vezes do que alguém que nunca sofreu bullying na escola. É contra esta pequena violência que temos de lutar.É diferente de país para país?Há países onde há problemas graves de violência escolar. Em África, no Burkina Faso, 37 por cento das raparigas já foram vítimas de abusos sexuais por parte dos professores. Outro problema são os castigos corporais, nos EUA há 18 estados onde ainda são permitidos. Sabemos que as consequências podem ser nefastas. Por exemplo, grande parte dos tiroteios dentro de escolas é nesses estados onde os professores podem bater nos alunos. Disse que a violência escolar não está a aumentar, mas são tornados públicos cada vez mais casos. Porquê?Em França, a média do número de alunos vítimas de bullying não está a aumentar, mas se observarmos as escolas dos subúrbios, de zonas mais frágeis em termos sócio-económicos, a violência escolar está a crescer. Na Europa, a violência na escola está ligada à exclusão social e é um assunto que a democracia deve combater. Mas não é assim em todos os países.Quer dizer que a violência pode não estar ligada à exclusão?Em muitos países pobres africanos e da América Latina a violência escolar não é um problema porque a comunidade protege a escola. Para ela, a escola é um capital social, é uma oportunidade para sair da pobreza, enquanto noutros países, na Europa e EUA, a escola é vista como um inimigo. No Brasil, nas favelas onde não há saneamento, a escola é o único bem e os professores têm até 80 alunos na sala de aula e não há problemas de violência.Significa que depende do contexto onde a escola se encontra?É o que vamos discutir neste congresso: A violência em contexto. Como é que o contexto pode fazer parte da solução? Sabemos que há dezenas de milhares de alunos, em todo o mundo, que odeiam o clima escolar.Porque a escola continua a ser igual desde a revolução industrial e recebe públicos para os quais diz não estar preparada?Os professores não são preparados para intervir. Por exemplo, uma hospedeira é treinada para reconhecer o stress de um passageiro, um quadro bancário para a gestão e dinâmica de grupo, e os professores não. Em termos políticos, é uma prioridade repensar a formação. A maneira como se gerem os conflitos é muito importante, há necessidade de formar os professores também para trabalhar em equipa. Se não houver esse trabalho de equipa, a porta da escola está aberta para entrar a cultura de violência. Não podemos mudar a família ou a sociedade, mas podemos mudar a maneira como se trabalha na escola. A pedagogia pode contribuir para a solução.Os alunos precisam de gostar da escola?O sentimento de pertença à escola é uma das chaves. Se um professor ou um aluno está isolado, corre maior risco de ser vítima de violência. Por isso, é preciso apostar na boa convivência escolar. É uma necessidade criminológica para nos proteger da violência escolar, porque os agressores não são corajosos, são jovens que atacam e roubam os da mesma classe social. Se há uma equipa a funcionar na escola, as agressões podem reduzir-se.E as câmaras de vídeo ou a polícia à porta da escola?Há escolas com os portões fechados e videovigilância. São meios que podem tornar-se perigosos porque os alunos interpretam que a escola os quer vigiar e controlar, bem como aos amigos e à família. O desafio é evitar a violência de exclusão, ou seja, aquela que é feita fora da escola contra a polícia, os transportes públicos, os bombeiros, porque essa é mais difícil de controlar. As escolas devem criar regras claras contra o bullying. Quais devem ser as responsabilidades dos governos?Formar professores para saberem gerir conflitos. Tomar medidas de apoio às vítimas, mas também de apoio aos agressores. Não basta agitar o cassetete, os Governos devem dar uma resposta que não seja dura e imediata, mas de longo prazo. Os governantes sentem um enorme fascínio pela repressão da violência extrema e isso deve-se à pressão mediática. Não há imagens da pequena violência, diária e repetida; mas há das consequências de um tiroteio num liceu norte-americano, que passam repetidamente na televisão. As políticas públicas devem dirigir-se à pequena violência.

Origens e causas da violência escolar

O que está na origem da violência escolar?
Não há uma causa, mas muitas que estão ligadas. A escola, a família, a comunidade... Sabemos que se os pais forem muito disciplinadores, que inflijam castigos corporais, pode haver mais violência; mas o contrário também pode dar origem a violência, ou seja, se os pais não exercerem qualquer controlo. O modo como se educa pode ser uma das explicações, mas não é a única. Não se pode falar de determinismo.
Há novas formas de violência escolar?
O cyberbullying é um problema novo, ainda não há dados quantitativos, mas muitos inquéritos revelam que há um aumento. É o mesmo problema que o bullying, o meio usado é que é diferente.
Quem são as vítimas?
São os alunos, sobretudo rapazes, vítimas de violência física; há menos vítimas do sexo feminino e a forma de violência exercida é condená-las ao ostracismo. Não posso dizer que seja pior, porque a violência física é acompanhada de violência verbal. As consequências são muito importantes: o absentismo, maus resultados escolares, falta de auto-estima, por vezes, sentimentos de culpa.
No futuro, as vítimas podem tornar-se agressoras?
A maior parte das vítimas não se tornam agressoras. Mas acontece. O risco é que reproduzam esses comportamentos com os seus próprios filhos. Sabemos que 80 por cento dos casos dos autores de massacres nos EUA foram vítimas de bullying.