domingo, 11 de novembro de 2007

Violência nas escolas

Violência básica

Ainda o primeiro período de aulas não chegou ao fim e já a miúda, de dez anos, sabe de cor que tem de pagar a três dos seus colegas - de pouco mais idade - aquilo que lhe pedirem. A 'renda' diária chama-se extorsão em linguagem de adulto, mas aqui as regras são outras. Paga-se, ponto. Um dia, a miúda está mais inquieta e os professores notam. Chamam-nos e descobrem que há ameaças. Desta vez não eram facas. "Diziam-lhe que se não pagasse contariam à escola toda que ela tinha sido violada aos cinco anos". E tinha.

No recreio, um aluno meteu-se com a namorada de outro. O confronto físico imediato envolveu matracas e soqueiras, alguns colegas e muitos amigos do bairro, convocados por SMS. Os carros da polícia tornaram-se presença constante junto à escola e no bairro onde moravam até houve tiros. "Estamos próximos da realidade dos «gangs»", comenta o professor de matemática. Fala de uma escola do centro do Porto, onde já viu descerem as calças à frente do presidente do conselho executivo. Mas há episódios muito semelhantes nos arredores de Lisboa, como o que abre este texto.

O Expresso visitou seis escolas de alto risco - cujos nomes não são revelados por opção editorial - onde uma simples ordem para calar ou manter sentado um aluno basta para iniciar um confronto. Os professores habituaram-se a isto e até vêem progressos em relatos de guerra aberta. "Este ano está melhor, só tivemos ainda 20 processos disciplinares", dizia a presidente de um conselho directivo dos arredores da capital. Ainda estamos no começo do ano e já foi expulso um aluno que frequenta a antiga primária, mas como "não há armas" isso conta para o saldo positivo. Porque há uns anos não era assim, garante: "Tinha um caixote onde ia pondo armas brancas de toda a forma e feitio". Acredita também que terá passado a "fase do roubo dos telemóveis, que varria a escola e arredores". Ou "a época muito complicada - como conta outra professora de outra escola - em que até houve uma cena de facada", em plena sala de aula, por um ajuste de contas de droga entre os «dealers» e um rapaz do 8º ano.

Quem se habituou à violência faz as contas a pequenos ganhos. "Nunca tivemos um pneu furado" ou "agora já não partem os vidros da escola, porque são laminados" são vantagens no currículo de quem insiste em não desistir. No Porto, um professor chega a ter pesadelos antes de enfrentar algumas turmas, onde sabe que dará aulas sem ter oportunidade de ensinar nada. "No ano passado, 100 dos 160 professores pediram transferência. Isso dá ideia da frustração que sentimos", comenta. Na EB 2/3 de um concelho vizinho, Fátima foi pontapeada por trás num corredor. Não identificou o agressor, mas percebeu o que seria a sua vida de professora, entre ameaças, agressões e insultos. "Na escola e na sala de aula, sinto-me próxima das vítimas de violência doméstica. A agressão pode surgir a qualquer momento e somos impotentes para resolver o problema", diz. Lamenta principalmente o desinteresse dos pais, numa freguesia onde o crescimento exponencial da população trouxe a criminalidade, 70% das famílias são desestruturadas e 40% dos jovens têm problemas de droga e álcool.

No mesmo concelho, outra escola enfrenta uma guerra contra a droga. "Aos 10 anos, muitos alunos já estão viciados. Vê-se isso ao primeiro olhar", diz a directora. A droga vende-se do lado de fora, apesar do posto da GNR ser na rua seguinte. Em Lisboa, outra escola resolveu o problema do tráfico. "Sabíamos quem eram os alunos que vendiam. Reunimo-nos com eles e com os pais e ficou decidido: só longe da escola". A solução parece ter resultado. O problema, como toda a gente sabe, é que não. Está muito para lá dos muros das instituições de ensino. Ainda esta semana, um encarregado de educação forçou a entrada, de pistola em punho, só porque não queria esperar à porta pelo filho. "Mesmo assim, sinto-me privilegiada quando ouço relatos de outros colegas", confessa uma professora dessa escola.

Texto Margarida Cardoso e Rosa Pedroso Lima

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