domingo, 11 de novembro de 2007

João Amado: "Escolas estão pouco aptas a lidar com violência e indisciplina"


A maioria dos professores lida mal com este tipo de situações e quase sempre de forma isolada. Por sua vez, as escolas acusam falta de liderança, não organizando sistemas internos de ajuda mútua.
De acordo com João Amado, professor universitário e co-autor, com Isabel Freire, de "Indisciplina e Violência na Escola - Compreender para Prevenir", é importante que desde cedo se instituam normas claras de conduta na escola e na aula. No entanto, "firmeza" não deve ser confundida com "castigo". EDUCARE.PT: A que se devem, regra geral, os casos de violência e indisciplina em meio escolar? João Amado: É uma pergunta simples para uma resposta difícil de dar, devido à complexidade da questão em causa. O que se pode dizer é que os factores são múltiplos e fortemente associados entre si. Podemos falar de factores de ordem social, familiar, escolar (organizacionais e pedagógicos) e individuais, cujo peso relativo só se pode avaliar verdadeiramente tendo em conta cada caso per si .E.: Como caracteriza a incidência desses casos, por grau de ensino e idade? JA: Diria que a investigação tem revelado um peso muito grande das variáveis graus de ensino e idade. O 2.º ciclo e, muito especialmente, o 7.º e o 8.º anos são, na maior parte dos estudos, anos de grande incidência.E.: São fenómenos que também estão ligados à origem social e ao grau de instrução dos progenitores desses alunos? JA: Estudos vários revelam a enorme importância de factores sociais e culturais. Sabemos que os hábitos, a linguagem, as exigências, enfim, a socialização que experimentam as crianças de famílias cultural e socialmente desfavorecidas pouco ou nada têm a ver com o que na escola se lhes oferece e vai exigir. Há escolas hoje frequentadas por crianças e jovens maioritariamente providas desses meios, o que constitui um enorme desafio a todos quantos nelas trabalham, e que só se vence por uma maior autonomia no mais diversos planos e por uma formação dos agentes educativos que os torne aptos a lidar com tais situações e a dialogar com a cultura do aluno.E.: Os casos de violência acontecem mais entre-pares ou entre aluno e professor? JA: Os números neste tipo de questões são sempre muito dependentes dos métodos e dos instrumentos usados. Mas há estudos que apontam para uma alta taxa de agressividade entre pares, das brincadeiras rudes ao bullying . Este estrangeirismo traduz-se, na prática, em agressões persistentes, continuadas, de carácter psíquico (sobretudo exclusão do grupo) e físico, de um aluno ou grupo de alunos sobre outro aluno vítima e incapaz de se defender por si mesmo. Actos que hoje começam a prolongar-se para lá da escola, com a utilização dos recentes meios de comunicação: Internet, telemóveis com câmara fotográfica, etc. Acrescente-se, no entanto, que a investigação nacional e internacional tem revelado que nas escolas onde os problemas entre alunos são mais frequentes e mais graves também são mais frequentes e mais graves os problemas de indisciplina e de violência contra os professores. Está tudo associado e altamente dependente, entre outras coisas, do clima que os líderes, responsáveis pela organização, e todos os implicados no quotidiano da escola são capazes de criar e de estabelecer.E.: Qual o perfil do aluno agressor? JA: Embora não se possa estabelecer um perfil generalizado, porque cada caso é um caso, é fundamental que se estabeleçam esses perfis em ordem a melhor prevenir as situações, diagnosticar problemas e fazer formação. Poderíamos dizer que, em traços gerais, a investigação tem mostrado que os agressores, desde muito cedo, têm uma enorme necessidade de dominar e vencer, são pouco tolerantes à frustração, são agressivos, falam muito de si como vencedores, desprezam os mais fracos...É possível estabelecer, também, um perfil do aluno vítima? Podemos dizer que esses alunos demonstram muita insegurança e ansiedade, aparentam angústia e infelicidade... Quando estão sob o efeito directo de actos de vitimação, alteram muito o seu comportamento na escola e em casa, tornando-se também agressivos sobretudo para com os mais novos, isolando-se e tendo reacções psicossomáticas como enurese. É importante a atenção dos pais a estes sinais. Muitos dos acontecimentos mais graves nas escolas surgiram, precisamente como "resposta" dos alunos vítimas!(continua)(2.ª parte) E.: Regra geral, como lidam os professores com essas situações? JA: Muito mal e sozinhos. Alguns inibem-se de falar das suas dificuldades neste campo, e a liderança das escolas geralmente - há excepções - não é pro-activa neste sentido, isto é, não organiza sistemas internos de ajuda mútua, que também seriam espaços de formação e incubadoras de projectos de intervenção ao nível da escola. Este envolvimento de toda a escola na tentativa de resolução dos problemas é muito importante a todos os níveis, até para prevenir o stress dos professores. E.: Até que ponto os professores - e também os auxiliares da acção educativa - estão preparados e têm formação para lidar com estas situações? JA: A preparação ao nível das escolas de formação inicial é mínima e, quase inevitavelmente, teórica. A formação contínua tem, também, em geral as falhas que lhe conhecemos: pouco sistemática e sem continuidade, virada para a obtenção de créditos, teórica... Aproveita pouco as situações reais: os casos, os projectos com e sem êxito, etc. para delas se aprender na troca de ideias e informações. A minha impressão a este propósito é bastante negativa. É negativa também quanto à formação dos auxiliares educativos.E.: De que modo é que a existência de casos de violência e indisciplina tem interferência no sucesso escolar da turma? JA: Eu diria que é o insucesso educativo que interfere em muito no insucesso escolar do aluno e da turma. Poderíamos falar, inclusive, de uma certa circularidade: o insucesso educativo interfere no insucesso escolar e vice-versa. A investigação tem mostrado que muitos - a maioria - dos problemas de indisciplina e de violência na escola envolvem alunos com insucesso escolar. As explicações para o facto são muitas. No que respeita à turma, são óbvias também as repercussões, porque aqueles comportamentos criam um clima de instabilidade e de ansiedade incompatível com a atenção e com o empenhamento necessário numa aula.E.: Expulsar um aluno que dá problemas da sala de aula ou suspendê-lo durante alguns dias é uma das formas possíveis de resolver a questão? JA: Estas medidas, só em casos muito excepcionais, dão um resultado positivo e persistente. Na maioria dos casos têm um efeito pontual, circunstancial; geralmente agravam mais os problemas do que os resolvem. Certos alunos vêem a sujeição a essas medidas como motivo de orgulho e de satisfação.E.: É possível ao professor adoptar um comportamento preventivo desses casos? JA: Claro que é possível a prevenção por parte de um professor e de uma escola. A acção isolada de um professor é positiva mas muito limitada, e pode passar, desde o início do ano, por apontar para a existência de um clima, nas suas aulas, de exigência quanto ao cumprimento de determinadas regras. No entanto, os alunos devem perceber a necessidade e o interesse dessas regras, o que implica também um clima de diálogo que, a não existir, motiva reacções negativas, agressividade, etc. Se o clima de diálogo, com a turma, com o aluno-caso, é fundamental, não o é menos um conjunto de práticas ligadas às próprias tarefas de ensino, como criar condições para que os alunos aprendam uns com os outros - trabalhos de grupo, ensino cooperativo, gestão da turma servindo-se, inclusive, de meios como a Internet - e aprendam a conhecer-se mutuamente, através de assembleias de turma, saídas em conjunto, etc.E.: E como é que a escola no seu todo pode actuar? JA: Logo à partida, produzindo um regulamento por todos conhecido, que contemple as regras da convivência, e que explicite paralelamente os direitos e os deveres de cada um e de todos. Depois, promovendo e apoiando acções que continuem a acção dos professores na turma: clubes e projectos vários - até virados para um melhor conhecimento do meio social e patrimonial -, assembleias de escola, dinamização da presença e intervenção dos encarregados de educação, gabinete de apoio aos alunos, um clima de ajuda entre professores, enfim, uma liderança capaz de empenhar toda a gente na construção de um ambiente saudável e seguro.E.: Deveria a acção dos órgãos de gestão das escolas ser mais firme nos casos de violência e indisciplina? JA: A firmeza assente na existência de normas e de regras é sempre necessária, indispensável; as regras e as normas são indispensáveis à vida numa organização. A firmeza, contudo, não significa ameaça e castigo. Antes de se chegar a esse ponto há todo um trabalho preventivo a fazer, como já disse. O castigo só deve ter lugar quando todos os outros meios se esgotaram. Firmeza sim e sempre, mas também compreensão profunda de cada situação, conhecimento de quem nela interveio e certeza de que o procedimento escolhido é o melhor para a educação do visado.(continua)(3.ª parte)E.: Os alunos violentos ou indisciplinados são automaticamente rotulados pelas escolas e postos de parte ou, pelo contrário, costuma haver um esforço no sentido de os recuperar? JA: Há de tudo. Professores e escolas onde se faz tudo para se entender, compreender as causas, e levar a uma mudança de comportamento destes alunos; e escolas onde se cria uma divisão permanente, os "bons" de um lado, o lado dos professores, e os "maus" do outro, numa guerrilha permanente a ver quem vence. Quando não é o diálogo que impera, vence-se pela força. E aqui o aluno acaba por perder, ainda que aparentemente não seja assim, porque há as faltas, as notas, as reprovações, a exclusão da escola. Os alunos problemáticos, mesmo os violentos, são os que mais precisam da escola e de pelo menos um professor que os compreenda, o que não quer dizer que apoie os seus actos. E.: Ao longo dos tempos, a autoridade do professor dentro da sala de aula tem vindo a ser cada vez mais posta em causa. Que responsabilidade têm os pais dos alunos no enfraquecimento da figura do professor? JA: Sim, a autoridade do professor está cada vez mais dependente da sua capacidade de liderança na turma e da sua capacidade de participar com os outros na política da escola, o que reforça a importância das suas qualidades pessoais e da formação nesse sentido. Para que tudo corresse bem, seria necessário haver complementaridade entre um bom clima de turma e de escola e um bom clima familiar. A investigação tem mostrado, no entanto, que os problemas na turma e na escola estão fortemente associados a problemas no seio da família. Exige-se (e bem) a um professor que saiba construir um ambiente de regras e de autoridade na sua turma. Mas tem de se compreender que isso é difícil se a turma é composta por alunos que vêm das suas próprias famílias sem regras e sem a referência de uma autoridade parental. Os professores podem fazer alguma coisa, mas não fazem milagres.E.: Existem outros responsáveis? JA: Claro. Os responsáveis pela falta de autonomia das escolas que lhes permita agir e ensinar em função da especificidade do seu público e que permita a existência de um corpo docente estável; os responsáveis pela inexistência de uma formação inicial e contínua de professores que os capacite para as exigências e desafios da Educação - não só, apenas, da instrução - num tempo de hoje; os responsáveis pela inexistência nas escolas de todo um conjunto de outros técnicos capazes de auxiliar a acção dos professores.E.: Qual o quadro da violência e indisciplina em meio escolar noutros países europeus? Qual é a postura dos professores e dos órgãos de gestão estrangeiros perante esses casos? JA: O problema noutros países é semelhante ao nosso. Há, porém, alguns desses países, a ajuizar pelas notícias e por alguma investigação, em que a situação é pior pelo número e pela gravidade dos problemas. Mas também há maior sensibilização por parte das autoridades, dos professores, das organizações não governamentais - muitas vezes da iniciativa dos encarregados de educação - para todos estes problemas, o que dá origem a todo um conjunto de iniciativas da sociedade civil que não vemos entre nós.PERFIL: João Amado é licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A partir de 1976 inicia uma carreira como professor do Ensino Secundário. Em 1989, inicia funções docentes no Ensino Superior, após ter concluído o mestrado em Educação. Nove anos depois, obtém o grau de Doutor em Ciências da Educação, conferido pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, onde é professor. É co-autor, com Isabel Freire, do livro "Indisciplina e Violência na Escola - Compreender para Prevenir", e tem realizado inúmeras acções de formação sobre a problemática da (in)disciplina.

1 comentário:

Lista RRE disse...

Olá, somos alunos da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, da turma E do 11º de Desporto.
Foi-nos proposto pelo nosso prefessor de Psicologia, Carlos Ubaldo, realizar um trabalho sobre Cognição Social, onde escolhemos o tema Bullying.
Na busca de informação encontrámos este blog, que achámos bastante interessante para o nosso trabalho.
Falámos com o nosso professor para saber se seria possível termos a sua presença numa aula aberta organizada pela turma de Secretariado.
Hoje na aula de Psicologia recebemos a notícia que vai estar presente dia 3 de Março na nossa escola, para falar do trabalho que tem vindo a realizar neste tema do Bullying, que nos é útil para a realizaçao do nosso trabalho sobre o mesmo, por isso deixamos este comentário para lhe agradecer a sua presença e colaboração na nossa escola.